segunda-feira, 13 de junho de 2016


Porquê você faz o que você faz?

Dia desses eu recebi uma mensagem de uma amiga (também artesã) propondo uma reflexão:
"- Hoje as questões políticas no Brasil estão afloradas, o que você acha de postar nas redes as nossas concepções políticas? Com os discursos tão polarizados, isso não reflete na hora das pessoas adquirirem (ou não) os nossos produtos?"

Depois de refletir um pouco...
Bom, tudo que as pessoas produzem são produtos do que elas são. Cada peça que eu produzo tem ali muitos aspectos do que eu sou. Ali está contido as minhas inseguranças, meus medos, minhas alegrias, meus anseios, minhas inquietações, enfim, é fruto de como eu lido com o mundo. Ainda que seja uma peça encomendada com definições bem claras de quem pediu, tem ali o tempo que eu gastei planejando, medindo, escolhendo tecidos e ainda imaginando como a peça ficará quando estiver pronta. Quando eu corto um tecido ou outro material para fazer uma peça estou inserindo ali todas as minhas emoções, o que eu sentia naquele momento, a música que eu ouvia, a notícia na TV. Logo, cada peça que confeccionamos está repleto de significados, de valores intangíveis.
Quando eu posto algo sobre questões políticas é um pouco de mim também, da minha natureza e por saber que essas questões rebatem diretamente na minha e na coletividade. Não tem como separar. Essa é quem eu sou e inevitavelmente as minhas peças vão carregar isso também. Pode ser que alguém que goste do meu trabalho e tem opinião diversa da minha se sinta decepcionado, mas prefiro viver e trabalhar a partir da minha verdade. Quem opta por um trabalho criativo, com propósito, com significado, mistura muito o seu modo de vida com o trabalho, os dois se confundem e se fundem pois é um modo de vida, e não apenas um daqueles trabalhos em que batemos cartão para entrar e para sair no final do expediente. Não vejo problema por exemplo em relatar as minhas experiências no Mato Grosso do Sul, onde as vezes estou no atelier desenvolvendo algum projeto e escuto barulho das araras. Saio no quintal para vê-las. Dia desses estava no sofá da sala e escutei um barulhinho que me parecia ser de alguma ave. Pensei: - este barulho eu não conheço (sim, aqui acabei conhecendo os cantos de alguns passarinhos). Saio no quintal e passa um tucano voando baixinho. Pois bem, o fruto do meu trabalho é tudo isso, tudo o que eu vivencio, e sim, as minhas convicções políticas também e a forma como eu me posiciono, pois sei que os rebatimentos estão aí no nosso dia a dia. Não dá para passar ao largo.
Atualmente consumimos coisas que não sabemos de onde vêm; peças que foram feitas as milhares em um único minuto; não sabemos a origem dos alimentos que consumimos, muitas vezes contaminados; cosméticos que foram testados em animais; roupase sapatos produzidas com trabalho escravo e/ou infantil, e por aí vai. Quem não vai querer uma peça pensada e projetada especialmente para ela? Elaborada com toda paciência, embalada com cuidado e cheia de significado?
Quem?
Eu perguntei a ela?
Obrigada pela reflexão, Neide.

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